Era um dia como todos os outros, estávamos na igreja como todos os domingos e o Miguel já estava deitado no colo do meu marido cochilando como sempre faz. De repente ele fica nervoso e começa a ter uma crise de agressividade sem ter uma explicação aparente. Não foi nada a ponto de ter que sair com ele do local com uma crise quase incontrolável, mas não sabíamos o porque dessa crise em um momento em que nunca aconteceu. Ele sempre dorme tranquilamente e mesmo quando não dorme na igreja, o que é raro acontecer, ele fica sentado o colo do pai.
Ofereci a mamadeira e ele não quis, ofereci uma bala e ele também não quis, alguém pode questionar sobre o barulho do ambiente, mas não isso nunca foi problema para ele, talvez porque sempre fomos com ele para a igreja e ele já cresceu nesse ambiente, nem na igreja e nem em outros locais ele nunca se incomodou com barulho. Depois de um tempo sem saber o que fazer para acalmá-lo eu pedi ao meu marido que o levasse para tomar água, mais no sentido de dar um volta pra ver se ele ficava melhor e foi quando descobrimos o que estava acontecendo, ele estava com muita sede, tomou 3 copos de água e voltou e dormiu tranquilamente...
Miguel não fala, solta algumas silabas mas as poucas palavras que fala, são sempre de maneira funcional como por exemplo "não, vamos, amo"
Essas palavras ele não fala de maneira solta mas quando realmente precisa delas pra expressar o que quer, e mesmo que não fale sempre mas usa de maneiras correta quando a faz. Embora por volta dos 10 meses ele tenha começado a falar várias palavrinhas, depois de um aninho ao invés de aumentar ele diminuiu o vocabulário até não sobrar nada e hoje são meia duzia ou até menos palavras. Eu já fiz um teste sobre o nosso sexto sentido de mãe e sobre como as vezes "adivinhamos" o que eles sentem ou querem, sobre como aprendemos a interpretar aqueles olhinhos brilhantes e aquele gesto que talvez passe despercebido por pessoas que não convivem com nossos pequenos, mas no final do texto eu disse como seria bom se tudo fosse apenas assim, mas disse que havia o lado oposto que também vivemos e sobre isso que hoje eu quero falar.

O Miguel nunca demostra quando está com alguma dor, eu sempre uso meu sexto sentido e descubro o que está acontecendo, febre dificilmente deixa ele caidinho, geralmente mesmo doentinho ele está a mil por hora e cada a mim como mãe de um autista não verbal ficar atenta sempre, mas como eu disse, temos sim um sexto sentido de mãe especial que nos faz descobrir coisas que outros nunca veriam, mas nem tudo é perfeito assim, podemos sim falhar, podemos as vezes não conseguir ver ou interpretar o que está acontecendo e nessas falhas meu coração se despedaça e eu fico muito mais muito triste com a situação. Imagine como eu me senti naquele dia na igreja em que eu não consegui descobrir que o meu filho apenas queria água, e agora depois de descobrir que ele deveria estar sentindo dor no ouvido que eu também nunca tive mas dizem que é horrível e eu falhei...

Se até mães de autistas verbais relatam viver coisas assim porque o filho talvez não consiga expressar bem o que queria, imagina nós mães de autistas não verbais que não temos uma palavra para nos dar uma ideia do que pode ser,
Temos que literalmente adivinhar tudo, do começo ao fim. E é ai que eu respiro fundo, conto até dez, visto a minha dor com um sorriso reconfortante e digo ao meu filho "Está tudo bem, meu amor, a mamãe entende que você quer algo mas ainda não entendi o que é, mas abraça a mamãe e vamos tentar de novo" Nem sempre dá certo, as vezes ele nem quer o abraço, a frustração é grande demais, mas eu preciso ser forte e mostrar pra ele que eu sempre vou estar aqui, e farei o possível e impossível pra me comunicar com ele, ainda que do nosso jeito, ainda que sem palavras orais, ainda que eu possa falhar na metade das tentativas, mas eu sempre estarei aqui pra descobrir ou pelo menos tentar descobrir, onde está a sua dor...
Conseguimos traduzir os olhares dos nossos filhos, sentimos em nosso coração a pior dor que uma pessoa possa imaginar, é dolorido não compreender o que nossos filhos querem nos dizer., sim, porque traduzimos sim olhares mas tudo seria perfeito demais se sempre fosse assim não é? Mas as vezes não conseguimos saber, porque somos mães sim, mas somos humanos que podemos errar, não somos perfeitas e as vezes não conseguimos entender o que eles precisam no momento.
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